
Hoje, trago uma poderosa metáfora da Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) que aborda uma questão fundamental para nossa existência plena: a prática da arte de cuidar de si mesmo.
A trilha que revela quem somos
Imagine que você recebeu um convite de um colega de trabalho para fazer uma trilha. Uma oportunidade perfeita para escapar do estresse cotidiano e reconectar-se com a natureza… “Vamos nessa!”
Chega o grande dia! Você se prepara com filtro solar, roupas leves, uma garrafa d’água e segue animado até o ponto de encontro.
A caminhada começa. Vocês vão apreciando cada trecho da estradinha de terra, que gradualmente se estreita até se tornar apenas um caminho sinuoso. Seu colega segue à frente e, quando começa uma subida íngreme, ele vai se distanciando cada vez mais.
É então que você sente o peso do sedentarismo. Suas pernas começam a doer, sua respiração fica ofegante. Depois de algum tempo, seu colega retorna. Questiona por que você está tão lento. Você explica que precisa de uma pequena pausa para recuperar o fôlego, e ele responde:
“Se soubesse que era um sujeito tão mole, nem teria te convidado… agora vamos levar o dobro do tempo.”
“Pode seguir…” você responde, magoado.
Após resmungar e dar um gole na sua água, ele espera alguns instantes, impaciente, mas logo o chama para continuar.
A trilha torna-se mais desafiadora. Em um momento de desatenção, você torce o pé. Sentindo uma dor aguda, percebe a reação do colega que, depois de soltar um palavrão, dispara:
“Cara, você realmente devia ter ficado em casa. Agora nossa trilha acabou.”
O companheiro que todos merecemos
Como se sentiria com um companheiro assim?
Agora, vamos imaginar outro cenário, com um colega de postura completamente diferente.
Ao perceber que você estava demorando na subida, ele voltaria e diria algo como:
“A subida está difícil, não é? Vamos num ritmo mais tranquilo, afinal, você não está acostumado com isso. Que tal tomarmos uma água naquela sombra?”
Talvez, quem sabe, você nem tivesse torcido o pé nesse cenário. Mas vamos considerar que o acidente ainda tivesse acontecido, e que ele reagisse de forma acolhedora:
“Nossa! Parece que você torceu o pé. Deve estar doendo bastante. Sente-se um pouco aqui. Quando a dor melhorar, você pode se apoiar em mim e voltaremos devagar. Isso acontece, não se preocupe.”
O espelho de nossas próprias atitudes
É evidente que preferiríamos estar na companhia do segundo colega. E me arrisco a dizer que você provavelmente agiria assim caso seu amigo fosse o “molenga” e tivesse se machucado.
No entanto, paradoxalmente, tendemos a nos tratar como o primeiro fez. Nos criticamos duramente, nos cobramos excessivamente, nos machucamos emocionalmente e nos culpamos por frustrar os outros e a nós mesmos.
Praticar a autocompaixão não é sinal de fraqueza — é um exercício essencial cuja prática contínua constrói as bases do amor próprio e do bem-estar psicológico. É aprender a ser para nós mesmos aquele segundo companheiro de trilha: paciente, compreensivo e acolhedor, especialmente nos momentos de dificuldade.
Afinal, a jornada da vida é longa demais para percorrê-la na companhia de um crítico implacável, principalmente quando esse crítico habita dentro de nós.